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A nova plataforma da Receita Federal, apelidada no mercado de "pix dos impostos", pretende acoplar a nota fiscal eletrônica ao meio de pagamento para executar o split payment dos tributos sobre consumo. Na prática, no momento da venda o valor do imposto é separado automaticamente e segue para o governo, enquanto o líquido vai para o vendedor.
A promessa é clara: reduzir sonegação e inadimplência ao casar, em um mesmo fluxo, emissão da nota, pagamento e recolhimento. Do ponto de vista jurídico-operacional, é uma mudança de desenho: após a criação dos novos tributos, mudou-se a forma e o timing do recolhimento.
A avaliação da tributarista Mary Elbe Queiroz, sócia do Queiroz Advogados, vai ao ponto central do debate. Para ela, se o split funcionar como previsto, a sonegação poderá cair, porque desaparece a janela em que o contribuinte recebia e postergava (ou não fazia) o recolhimento.
Em contrapartida, haverá um efeito imediato sobre o fluxo de caixa das empresas: o que antes era compensado e pago de forma concentrada, em períodos mensais, passa a acontecer a cada operação. Isso exigirá: recalibrar capital de giro, rever prazos de pagamento a fornecedores, negociar condições com adquirentes e plataformas e, em alguns casos, ajustar preços para preservar margens, inclusive, ajustar prazos de financiamento dos adquirentes, clientes compradores.
A mudança também alcança estados e municípios. Hoje, as receitas são entregues aos estados e municípios diretamente com o pagamento e a liquidação do pagamento; no modelo novo, os entes subnacionais passam a depender do repasse do Comitê Gestor, após compensações e conciliações internas do sistema. Isso pode alterar o perfil de previsibilidade de caixa, sobretudo na transição, quando regras e prazos ainda estarão se ajustando.
Os entes que se financiam com a não devolução dos créditos, igualmente, não poderão mais utilizar esse sistema. Em termos práticos, haverá mais disciplina e rastreabilidade, porém com um ciclo financeiro distinto para quem arrecada e para quem produz.
Do lado das empresas, o sucesso do modelo dependerá de três frentes: integração tecnológica (ERP, nota fiscal, gateways e adquirentes); regras claras para estornos, cancelamentos e chargebacks (com devolução automática do tributo associado, para não travar o giro); e um fluxo ágil de apuração e ressarcimento de créditos, especialmente em setores que acumulam crédito estrutural (exportadores, investimentos intensivos).
Sem esses cuidados, a melhora na conformidade pode vir acompanhada de aperto excessivo de caixa e aumento de litígios por glosa automática.
Em resumo: a plataforma tem potencial real de reduzir sonegação e inadimplência ao "capturar o imposto na origem, no momento do pagamento", como destaca Mary Elbe.
O trade-off é de liquidez: empresas perdem a folga do recolhimento mensal e estados/municípios passam a depender do ritmo de repasses do Comitê Gestor.
A boa implementação, com governança, prazos definidos e interoperabilidade entre sistemas, é o que separa um ganho de eficiência tributária de um problema de caixa na economia real.
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